Histórias da História, de muitas histórias contadas e outras tantas por contar.
Vivências da minha Ilha e das suas gentes.
Ilha dos meus pais, dos meus avós e bisavós, de gerações que a memória dos homens não abarca.
Ilha de ontem, de hoje, de sempre e de amanhã.
Ilha sem tempo e sem medida que não sejam o querer e o estar.
Ilha que é minha, que é tua e que é nossa. Ilha dos pés descalços, enregelados de frio, molhados de suor. Pés que fizeram léguas de esperança em caminhos estreitos, cortados à foice para descobrir o lado de lá das terras e das pessoas.
Ilha do "Baetão" e do linho feitos de amor em fios de noites de candeias luarentas destinadas a serem panos de fraldas, enxoval e mortalhas.
Ilha das novenas do Menino Jesus nas madrugadas gélidas de matar o porco e de laudes a Nossa Senhora nos finais de tardes cálidas de Maios de sol, quando as virgens são Marias, Maria dos Milagres, do Livramento, da Saúde, dos Remédios, do Rosário ou da Conceição.
Ilha onde ao fim da tarde se divide o pão de milho como quem divide a dor e o suor, a saudade, a chamarrita, as alvoradas ou o pézinho.
Ilha dos moinhos sem parar e de ribeiras sempre a correr para lavar a roupa as tripas da fartura em Dezembro. Ribeiras sem pontes, nascidas de outras tantas fontes, para tanta e tanta sede, destinadas a "escasquiar" soalhos de pinho, feitos de caixas generosas de barcos a passar ao largo ou cheios de sonho encalhados que o nevoeiro não deixou aportar.
Ilha dos carros de bois atulhados de maçarocas, com crianças felizes trepando milho fora à procura do lado de lá do mundo, por detrás da colina do trabalho, de pais de aguilhada em punho e sacho na mão, verticais mesmo quando inclinados, a cavar a terra que há-de dar o pão.
Ilha remendada de saudades, de Califórnias à distância de mares explorados por coragem, em baleeiras frágeis onde mal cabia a força dos homens que tiveram de trocar pelas Américas.
Ilha de mulheres de canecas à ilharga, amassadeiras de bolo do tijolo, de todos os dias e de massa sovada tão doce, de tão raros momentos de fartura e de alegria...
Ilha das alvoradas ao entardecer nos jantares de Espírito Santo, dos dias dos padroeiros, Ilha da Festa do mato, e da romaria mensal do dia de vapor.
Ilha de homens da terra e do mar, de passados de glória com arados e botes da baleia.
Ilha com o mar logo ali... mar ponte, mar fronteira, ceara de peixe e sargaço. Serrado de "ao pé da porta". Mar porto de chegada e das marés de muitas mais partidas...
Este é um momento de Memórias... História da minha Ilha...
Ilha dos meus pais, dos meus avós e bisavós. Ilha de Memórias, que a memória não abarca. Ilha dos donatários de ontem e de hoje...
Ilha de Roberto Mesquita, de Peixoto Pimentel, de Camões padres e poeta...
Ilha de pés descalços e de "almas cativas"...
António Maria Gonçalves